23 julho, 2010

Igore.


Nunca se esqueça de que os maiores gênios da humanidade não gozavam de plena sanidade mental. Na realidade se isso ocorresse, eles nunca atingiriam o patamar de semideuses, mas sim pessoas normais que não seriam imortalizadas, seriam assim, como eu e você. Não duvide da capacidade de um louco, nunca. E não zombe do que um artista expressa, ainda mais quando se trata de Igore. Na sua casa no meio das montanhas, ela pinta todas as noites: nas telas, paredes, janelas, flores, árvores, móveis, cadernos. Não é que Igore seja extremamente criativa ou produtiva, ela só é profundamente instável emocionalmente. Igore pinta por que algo se meche em seu interior, algo que se meche todos os dias a muito tempo, e isso despertou seu dom. Igore não vende o que produz. Na verdade, não possui renda, vive de favores. As pessoas não cobram nada e não a questionam por que a acham louca. Os mais eufemistas só dizem que “A mulher é deprimida, coitada. Vive no meio do nada, não tem nem um bichinho de estimação pra fazer companhia... Provavelmente é um amor não correspondido”.
Igore chora todas as noites antes de dormir, mas não chora por que está triste. Chora por que precisa, é uma teoria dela. A teoria de que todas as pessoas deveriam chorar todos os dias para aliviar as tensões e dores das feridas que o mundo causa. De manhã prepara seu chá e observa a paisagem de sua varanda, os picos cobertos de neve nas montanhas distantemente próximas, enquanto alisa seus longos cabelos castanhos. Igore já sentiu muitas coisas ruins no decorrer de sua vida: já sentiu raiva, tristeza, inveja, ciúmes, desilusão e tantas outras que não faz sentido ser citados... E cansou. Por ter cansado de viver cercada por coisas ruins, abriu mão das boas também para refazer a vida de um jeito que ela só imaginava ser possível em livros e filmes. Pintando em uma casa no meio das montanhas, sozinha, pensativa e imparcial. Igore não sabe se é feliz agora. Na verdade, ela não sabe o que pensar sobre sua atual condição de vida. Uma linha tênue entre o ócio e o delírio. A chateia saber que é uma mulher que sempre foi elogiada em sua ‘vida passada’ por ser muito inteligente, sendo que sempre esperou mais, sempre esperou pelo “extremamente inteligente”.
Amores? Pois bem, ela foi casada. Foi feliz por anos com seu marido, mas a cada dia algo que ela não entendia a consumia por dentro quando seu homem olhava de uma maneira eufórica para a mulher do outro lado da rua, uma advogada qualquer. E acontecia por uns bons anos. Isso não atrapalhava a vida do casal (porque ela não falava) e não causou atrito, mas de qualquer forma, Igore abriu mão dessa realidade para se dedicar à pintura. Foi uma decisão que tinha tudo para ser difícil para ela, que era bem resolvida financeira e socialmente, possuía amigos de verdade, uma vida aparentemente perfeita. Mas seu interior era inquieto, e pedia algo que os outros não compreendiam.
Seus amigos não sabiam quem ela era, seu marido nunca foi um amor de verdade, seu status era uma piada. Agora Igore pensa que sua ‘vida passada’ foi uma divina comédia. Cansou de ficar triste por saber que tinha amizades falsas, que nunca amou ninguém e nunca foi amada, e algo no seu interior sempre a perturbava.
Agora é uma mulher imparcial sobre o mundo, com a rotina que construiu sem a intervenção de ninguém. Ela conseguiu o que queria sem precisar ouvir a opinião dos outros, ou se sentir mal com as atitudes as pessoas que a cercava. Igore finalmente está construindo seu mundo, junto com seu interior inquieto.

0 Copos(s):