27 abril, 2009

Capítulo 19.

Desistiu de vez de criar um calendário próprio, ou contar as horas, ou procurar luz do sol, o pano preto a intrigava muito. Não só este, como o livro do menino, o estilo ‘Babel’ das palavras gerais, das pessoas, das épocas juntas. Estava parando de se importar tanto com a sua família ‘antiga’, sua filha, seu emprego, menos seu marido. Tirou os papéis amassados e sujos de dentro do livro do adolescente, estava com um desejo incontrolável de lê-los desenfreadamente, mas sabia que, se fizesse isso, o sentido de toda a história ficaria sem sentido e sem graça. Olhou para a direção de Koshir, ele dormia. Um sono tranquilo, sem medo, sem angústia, o contrário da cabeça de Carmen. A mulher prosseguiu a leitura.
“Disse para Joanne que eu iria para a cidade que eu nasci, visitar minha mãe e o Carvalho. Ela me entregou um pacote de presente, sussurrou para mim; ‘Abra só quando chegar lá, não quero ver a sua reação de imediato, meu pequeno.’ Obedeci fielmente. O trem demorou muito desta vez, ou o tempo não colaborou, ou a minha cabeça e corpo estavam tomados pela ansiedade e euforia de ver a minha querida mãe, que me reprimiu tanto, me mostrou as coisas simples e belas da vida. Mas o objetivo principal era a pessoa que me desiludiu, que deu o primeiro tapa, o primeiro empurrão, arrancou meu coração fora, pisou encima, jogou longe, mas... ao mesmo tempo... cuidou.”
Os barulhos distantes de sempre desta vez ficaram mais fortes, mais agressivos. O pano preto que parecia ser imóvel, estável, começou a balançar violentamente. As pessoas, continuavam desatentas a isso, focadas somente em suas novas ‘vidinhas’ e leituras, com medo de ampliar seus horizontes e buscar novas fontes. Carmen olhou para cima, queria entender o porque de tudo aquilo, seria uma tempestade? Fim do mundo ‘real’? A porta de Carvalho se fechou com um baque surdo. Desta vez todos os presentes saltaram de suas cadeiras, derrubaram livros, papéis, canetas e penas. Algumas crianças gritavam e esperneavam, os idosos nada faziam, pois estavam em choque. ‘Pronto, chegou o apocalipse aqui também’, falou um senhor careca.
Enquanto todos corriam na direção contrária (O monolito), Carmen foi para a porta trabalhada, os barulhos não paravam de se intensificar. Viu uma mulher loira com um vestido branco ao seu lado, parecendo impaciente.
-Por que você está aqui e não fugindo com os outros? - Disse a loira.
-Pergunto o mesmo minha cara. Você sabe o que está acontecendo?
-Sim, sim, sei! Meu amor está ali! Ele veio! Conseguiu! Ah, você não tem idéia de como eu estou feliz!
-Veio? Quer dizer que... todo esse barulho... são pessoas que... ahn... chegaram?
-Pois é, creio que tenha uma epidemia no mundo...
-Em que lugar você morava? Em qual país, região?! – Carmen estava esperançosa, queria ver seu marido o mais rápido o possível.
A porta caiu, milhares de pessoas saíram correndo sem rumo. As duas mulheres caíram no chão, Carmen viu o pano preto mais uma vez, os sons foram sumindo, sensações, escuro absoluto.

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